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Alguém deve ajuda aos pobres?

Atualizado: 9 de mar. de 2023


Eugène-Ernest Hillemacher, "Psyche in the Underworld", 1865.

Por mais vezes do que seria adequado à minha saúde, peço açaí de uma sorveteria de aqui perto, cujo dono já conheço e que não raro é quem mo entrega à porta do prédio. Quando desço para receber a entrega, troco umas palavras com ele – não tão curtas para não ser descortês, nem tão longas para não derreter o pedido. E por esses dias sucedeu que ele me falou um disparate tão grande, o qual me pareceu ainda maior por ser ele homem de negócios, que me fez pensar e repensar certas questões atinentes à ajuda aos pobres, e cujas conclusões quero aqui aventar ao paciente leitor.


Logo que me deu a máquina de cartão para receber o pagamento, comentou quão feias achou as novas grades que um vizinho da frente colocara em suas portas e janelas, acrescendo ainda a razão pela qual o fez: é que dias antes tivera a casa invadida e furtada por noias, que lhe levaram cabos de cobre, enquanto viajava. Concordei que grades de qualquer natureza enfeiam os ambientes, que são mais bonitos quando são mais livres. Grades e muros enfeiam os lugares por duas maneiras: a um, por atrapalharem as vistas a verem o que há de belo e vivo por trás deles; a dois, por fazerem lembrar que o mal também reside nas redondezas. De modo que é fora de dúvida que o Bem, assim nos homens como em cidades, tem um efeito embelezador. Expressei um lamento vago e leviano, sem julgar muito das coisas, mais querendo encerrar a conversa, ao que no entanto o vendedor acorreu a opinar, não segurando o disparate com que me atingiu: “Na verdade, quem está dentro é que deveria ajudar quem está fora.”


Como se eu não tivesse entendido o que ele quis dizer, me explicou aquilo que poderia ser resumido da seguinte maneira: só há ladrões porque aqueles que têm dinheiro exploram os menos favorecidos e lhes não concedem iguais oportunidades. Citou ainda um exemplo tão néscio, que me deu pena: disse ele que os filhos de uns têm PlayStation, enquanto os de outros não, marcando assim a diferença social que há entre eles, a qual diferença pode muito bem dar ensejo, segundo o raciocínio do vendedor, a que estes últimos se tornem deploráveis gatunos.


Para não ficar sem nada dizer, primeiro perguntei se a falta de oportunidades justificaria o crime, ao que ele respondeu que não, mas logo voltou ao raciocínio inicial; depois falei que a pobreza não é a causa da criminalidade, haja vista que também os ricos delinquem. A causa dos crimes é a imoralidade. Mas também esta razão ele ignorou, como se a não tivera enxergado. Finalizou discursando um pouco mais sobre a importância de os ricos ajudarem os pobres, com o que fingi concordar, e encerramos a conversa. Embebido de semelhante necedade, subi ao meu apartamento e fiquei pensando sobre esse parecer, que é tão comum e para muitos um truísmo. Mas eu de minha parte discordo, e direi por quê.


Discordo dessa opinião porque, para que um homem possa ajudar outro, três requisitos devem se apresentar: a) o que está em posição inferior deve merecer a ajuda do que está em posição superior; b) deve também querer a ajuda; e c) por fim deve ainda ser capaz de receber a ajuda. Quando um desses três requisitos não se verifica, todo esforço é vão.


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O primeiro requisito para que alguém seja ajudado é merecer. E aqui há dois aspectos a serem levados em consideração: um por parte do que está em posição de ajudar e outro por parte do que está em posição de ser ajudado. Antes de tudo, aquele que está em cima não deve nada àqueles que estão embaixo, e nada indica ou sugere que estes mereçam sequer a sua atenção. Todos os indivíduos têm problemas e interesses pessoais e estão em sua busca pela felicidade tal como a compreendem. Acreditar que um sujeito, só porque é pobre, merece o tempo, o dinheiro e a atenção de quem lhe seja superior é um juízo infantil, semelhante ao pensamento de uma criança que exige o que os pais a limpem porque ainda não controla o esfíncter anal.


Tempo, dinheiro e atenção são bens escassos e, portanto, têm valor. Para que alguém os mereça de outrem, deve demonstrar que os merece. Tão caros bens urge que se aloquem com prudência. Quem os liberaliza sem arruinar-se? Quem não destrói qualquer projeto quando não os gere com cautela? Somente aquilo que tem valor merece tempo, dinheiro e atenção. Por caridade, dão-se esses bens a algumas pessoas sem que elas tenham demonstrado os merecerem, podendo demonstrar depois, com o que farão com eles. Contudo, um ato de caridade é uma escolha livre e particular, e não de modo algum uma obrigação moral, nem muito menos um pressuposto da manutenção da sociedade. Parece o nosso amigo vendedor querer dizer que a caridade – dar tempo, dinheiro e atenção a quem não necessariamente os mereça – não só é um dever dos ricos, como também um pressuposto para que exerçam gozo desimpedido de seus bens, e para terem seguros os seus fios de cobre quando viajarem.


Sem o saber, tornou-se esse comerciante um advogado do socialismo, e inverteu em sua cabeça o certo com o errado, colocando a culpa dos crimes nas vítimas, e vitimizando os criminosos. No Brasil, aquele que não emprega um esforço ativo em estudar e instruir-se acaba por filiar-se às opiniões correntes e vira “um escravo de algum economista morto”.[1] Isso porque a opinião basilar corrente no Brasil é de esquerda. O brasileiro que nunca estudou Filosofia Política a fundo, e que foi educado nas diretrizes do MEC sem as questionar, esse já tem por certas e verdadeiras as teses mais esdrúxulas do mundo, como as da democracia, do estatismo, da malignidade do capitalismo, da educação pública e obrigatória, da saúde pública e universal, da justiça do trabalho e todos os disparates que a Constituição Federal de 1988 expressa e promulga. Sem um esforço consciente e ativo, o brasileiro é esquerdista por padrão. Até mesmo os que se consideram de direita defendem educação pública, saúde pública e justiça do trabalho sem reparar que estão sendo por esse modo defensores do socialismo. Deveriam se chamar mais justamente socialistas de direita.


O segundo aspecto do merecimento vem por parte daquele que está em posição de receber a ajuda. Aqueles que valorizam o próprio dinheiro entendem que mesmo a caridade requer um cálculo econômico. Antes de se tornarem doadores de uma determinada causa ou instituição, querem saber para onde o dinheiro vai e como será gasto, porque do contrário seria proceder com negligência e vã liberalidade, lançando o dinheiro no lixo. Alguns chegam a chamar a doação que fazem de “investimento social”, quando é voltada para o desenvolvimento da sociedade, e tratam o processo como um negócio, tamanho o valor que atribuem ao dinheiro. Desse modo, doar a qualquer um, sem distinção alguma, não só serve para prolongar-lhe o sofrimento e a dependência, como é também dar mau uso à riqueza.


Mas o merecimento é uma questão subjetiva. Qualquer um, até mesmo um mau-caráter, pode se julgar merecedor de ajuda e ser assim igualmente reputado por outros, sem que nenhum deles esteja errado. No entanto, ainda que essa coincidência de valores se verifique, pode ser que o sujeito não queira receber ajuda, e esse é o pior caso de todos. É impossível ajudar quem o não quer. E uma pessoa que está em situação difícil pode não querer receber ajuda por vários motivos, os quais não me darei a investigar aqui.


Finalmente, considerando que o sujeito mereça e queira ser ajudado, deve estar presente ainda o terceiro quesito: que é saber se ele será capaz de receber ajuda.


Mesmo que toda a boa vontade lhe seja oferecida e ele deseje sair da situação em que se encontra, nada garante que ele esteja pronto. Nós sabemos hoje que o que determina as nossas ações e, por consequência, os nossos resultados é a nossa mentalidade, o conjunto total de nossas crenças. Se as crenças de um indivíduo o levaram à miséria, ninguém pode resgatá-lo por meio de recursos externos. Tão logo ele se veja numa condição melhor, fará de tudo para voltar ao status quo ante, porque assim lhe ordena seu subconsciente. Esse é o caso daqueles muitos ganhadores da Mega Sena que, pouco tempo depois de ganharem, retornaram à penúria do início, e ainda mais miseráveis que antes.


Há pessoas que querem ser pobres, e quando dizem que não estão mentindo. Se não quisessem ser pobres, empregariam os meios necessários para saírem da situação de pobreza, como muitos estão fazendo e outros já fizeram. Mas elas evitam fazê-lo porque não querem ser taxadas, por seus amigos e parentes, como pessoas metidas a besta, soberbas e negadoras de suas origens. Elas se sentem obrigadas a permanecer no estado de privação em que viveram seus pais, para de algum modo honrá-los e não quebrar a tradição que os une. Enfim, elas continuam pobres por opção, quando não mesmo por preguiça ou burrice. “Os ricos, caracteristicamente, são indivíduos inteligentes e trabalhadores, e os pobres, normalmente, são indivíduos estúpidos ou preguiçosos (ou ambos)”.[2]


Pregar a ajuda indiscriminada aos pobres é um discurso bobo pelo qual se deseja aparentar uma consciência evoluída e moralmente superior, mas que acaba demonstrando ingenuidade e ignorância. Coroar então esse discurso dizendo que a criminalidade deriva da ausência dessa ajuda é digno de um relincho.


Só existe uma maneira de promover a riqueza em uma sociedade: e é essa maneira não impedindo, através de tributos e regulações, que ela seja produzida. Paradigmático a esse respeito é o caso de Hong Kong, que após somente quarenta anos de política liberal passou a ter uma renda per capita maior que a da própria Inglaterra, de quem era colônia, tendo no entanto começado na absoluta miséria.


Somente as operações de troca, produção e apropriação, e somente elas, geram valor. Afora essas três operações, nada existe capaz de aumentar a riqueza de um indivíduo ou de uma sociedade. Como essas três operações pressupõem o direito de propriedade privada, segue-se que é garantindo-se esse direito que se promove a multiplicação da riqueza. Ajudar os pobres de verdade é abolir a tributação e remover os impedimentos burocráticos que o estado impõe ao trabalho, ao investimento e ao empreendedorismo. É assim que se ajuda não atrapalhando. O resto é papo de coveiro para enrabar defunto.


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[1] Lord Keynes. [2] Hans-Hermann Hoppe, em Democracia, o Deus que Falhou, p. 130. E continua, citando trabalho de Edward C. Banfield: “Normalmente, explica Banfield, a pobreza é apenas uma fase de transição, restrita à fase inicial da carreira profissional do indivíduo. A pobreza ‘permanente’, por outro lado, é causada por determinados valores culturais e por determinadas atitudes: pela visão de curto prazo (orientada para o presente) do indivíduo – ou, em termos econômicos, pelo seu elevado grau de preferência temporal (o qual se correlaciona fortemente com a baixa inteligência; ambos – inteligência fraca e alta preferência temporal – parecem ter uma base genética comum). Ao passo que o primeiro – a pessoa que se encontra temporariamente pobre, mas que está gradualmente ascendendo – é caracterizado pela sua visão de longo prazo (orientada para o futuro), pela sua autodisciplina e pela sua vontade de renunciar à imediata gratificação com finalidade de, em troca, obter um futuro melhor, a pessoa que se encontra em uma situação de pobreza permanente se caracteriza pela sua visão de curto prazo (orientada para o presente) e pelo seu hedonismo.”


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