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O ChatGPT Não Roubará o Seu Emprego


Jean-Léon Gérôme, "Pigmalião e Galateia", 1890.

Quando usei o ChatGPT pela primeira vez e com tanta diligência e desenvoltura ele a tudo que eu escrevi respondeu, me apaixonei e fiquei maravilhado. No segundo dia de nosso namoro, já estava me servindo como estagiário, e, no terceiro, subiu a assistente. Eu trabalho criando copywritings (textos persuasivos) e cronogramas de conteúdos para Instagram, o que envolve criar ideias de postagens conforme o perfil e objetivo do cliente, e amiúde escrevo as legendas.[1] Graças ao ChatGPT, estou economizando cerca de duas horas de trabalho por dia. Agora tenho mais tempo para estudar e me dedicar a meus próprios projetos literários. Inclusive, voltei a trabalhar em meu novo livro (mantenhamos isso em segredo) e estou com mais tempo para produzir estes ensaios pelos quais me deleito e vos instruo. Mas o mais tempo não é a única razão de estar mais produtivo. Ao dividir meu trabalho com uma máquina, preservo energia mental, que pode agora ser voltada a outros exercícios. Antes, quando eu fazia um cronograma, ficava cansado, sem muita energia para outros trabalhos. Agora tenho energia de sobra, sem ter piorado a qualidade da minha produção. Na verdade, melhorei-a.


No entanto, nem tudo são flores, e, se não são os luditas que saem por aí vituperando as máquinas, são alguns que morrem de medo de perder seus empregos para elas, e como resultado corremos o risco de ter o progresso tecnológico atrasado por leis antiautomação – criadas sem autoridade nenhuma por burocratas que não sabem sequer recuperar a senha do e-mail, quanto mais inventar leis. Aliás, lei não é algo que se proponha e aprove, e sim que se descobre e aplica, e um homem que se arvora em fabricador do Direito realmente não sabe o que está fazendo.


Mas não era para eu também estar com medo? Ora, o ChatGPT é escritor; eu sou escritor. O ChatGPT, se bem ordenado, cria textos de vendas e cronogramas. Por que então eu também não me oponho a ele e seus parentes?


Não me oponho de nenhum modo às inteligências artificiais por dois motivos. O primeiro é ético-filosófico, o segundo, econômico.


O motivo ético-filosófico é o seguinte: em sendo um robô propriedade privada de alguém, e considerando o princípio geral da propriedade privada, segundo o qual cada um faz com sua propriedade o que bem entender, desde que não interfira no uso da alheia, conclui-se que nenhuma razão há que justifique qualquer lei para coibir o avanço das máquinas nas indústrias. E qualquer lei desse jaez seria irracional, ilegítima, infundada e criminosa. Desnecessário lembrar o leitor que a propriedade privada é o fundamento, não só da civilização, como também da própria sociedade, e sem ela tudo cai em ruína, e até mesmo os palácios dos governos viram pó. Civilização e barbarismo se diferenciam e se medem – na prática – por uma única coisa: propriedade privada.


Quem quiser se aprofundar nessa questão e descobrir a prova lógico-filosófica do direito de propriedade privada, confira este artigo.


Vejamos agora o motivo econômico – ou melhor, os motivos econômicos, porque são muitos – pelo qual não me oponho à automação, e de fato ainda a considero uma coisa boa.


Comecemos por um argumentum ad absurdum que me é muito caro. Se as máquinas roubam empregos, então por que não destruímos todos os trens e ferrovias e contratamos milhares de trabalhadores para transportar as cargas que eles levam? Ora, essa é a consequência lógica do raciocínio antiautomação. Quanto mais máquinas, mais automação, e quanto mais automação, menos empregos; logo, se destruirmos todas as máquinas, criaremos muitos empregos. E assim a sociedade retorna ao tempo das cavernas.


No século XIX, os fabricantes de vela se revoltaram por causa da invenção da luz elétrica, e se opuseram à nova tecnologia. Então o economista Frédéric Bastiat, condoído, escreveu uma “Petição dos fabricantes de velas” para defender a eles e a seus interesses, endereçada aos membros da Câmara dos Deputados, e em que pedia de certo modo a abolição do Sol, por ser concorrência tão megera e desleal aos bravos fabricantes de velas. Assim falou o economista, entre outras coisas:


Estamos sofrendo a intolerável concorrência de um rival estrangeiro que, ao que parece, se beneficia de condições muito superiores às nossas para a produção de luz, com a qual ele inunda completamente o nosso mercado nacional a um preço fabulosamente baixo. No momento em que ele surge, as nossas vendas cessam, todos os consumidores recorrem a ele, e um ramo da indústria francesa, cujas ramificações são inumeráveis, é subitamente atingido pela mais completa estagnação. Este rival, que vem a ser ninguém menos que o sol, faz-nos uma concorrência tão impiedosa, que suspeitamos ser incitado pela pérfida Inglaterra (boa diplomacia nos tempos que correm!), visto que tem por aquela esnobe ilha uma condescendência que se dispensa de ter para conosco.
Pedimos-vos encarecidamente, pois, a gentileza de criardes uma lei que ordene o fechamento de todas as janelas, clarabóias, frestas, gelosias, portadas, cortinas, persianas, postigos e olhos-de-boi; numa palavra, de todas as aberturas, buracos, fendas e fissuras pelas quais a luz do sol tem o costume de penetrar nas casas, para prejuízo das meritórias indústrias de que nos orgulhamos de ter dotado o país – um país que, por gratidão, não poderia abandonar-nos hoje a uma luta tão desigual.

O mesmo economista nos legou um ensinamento tão importante, sem contudo deixar de ser simples, que serviu de tema a uma obra inteira de Economia, intitulada Economia Numa Única Lição, a qual lição era esta: na esfera econômica, não se deve atentar somente aos efeitos visíveis e imediatos de uma decisão, mas também às suas consequências invisíveis e de longo prazo. São ambas essas coisas chamadas “O que se vê e o que não se vê” em economia, nome aliás do conjunto de ensaios onde Bastiat apresenta esse ensinamento.


Assim, quando as máquinas entram em cena, o que se vê são certos grupos de pessoas perdendo os seus empregos. Mas o que não se vê são as pessoas que ganham empregos e a riqueza gerada nesse processo para toda a sociedade. Uma vez que se usem máquinas em lugar de mão de obra humana, os custos de produção daquele setor diminuem, o que leva a dois efeitos: os lucros dos produtores aumentam e os preços caem, favorecendo os consumidores. Essa riqueza a mais (o lucro dos produtores e o dinheiro que os consumidores deixaram de gastar comprando bens mais baratos) é alocada para outras indústrias, as quais então, em se enriquecendo, podem se expandir e contratar mais. Além disso, é preciso lembrar que as fabricantes dos robôs e inteligências artificiais também precisaram contratar pessoas em primeiro lugar, as quais, mais ricas, compram mais. Esse raciocínio por si já bastaria para demonstrar que a automação promove o bem da sociedade, embora tenha um efeito negativo para uns no curto prazo. Contudo, para a nossa surpresa, a experiência histórica mostra que, mesmo nas próprias indústrias onde se automatiza o trabalho, pode não suceder o caso de o número de empregos diminuir, mas o de aumentar.


Em 1910, 140.000 pessoas estavam empregadas, nos Estados Unidos, na indústria automobilística recentemente criada. Em 1920, com o aperfeiçoamento e com a redução do custo do produto, a indústria empregava 250.000 pessoas. Em 1930, continuando o aperfeiçoamento e a redução do custo, o número de empregados na indústria era de 380.000. Em 1973 subiu para 941.000. Por volta de 1973, 514.000 pessoas estavam empregadas na fabricação de aeronaves e peças de aeronaves e outras 393.000 na indústria de componentes eletrônicos. E o mesmo ocorreu em cada uma das novas indústrias que, sucessivamente, se criaram, à medida que se aperfeiçoavam as invenções, e se reduzia o custo dos produtos.[2]

Portanto, não há razão nenhuma, que seja racionalmente justificável, para impedir ou sequer aborrecer o avanço das IAs e da automação na economia. Aqueles que se opõem a semelhante avanço estão pensando em seus interesses de curto prazo, em defesa dos quais não podem usar senão argumentos de apelo emocional e falácias, para nos ludibriar. Não! Eu quero robôs nos postos de gasolina, nos caixas dos supermercados e nos cinemas. E os quero onde quer que sejam mais úteis e menos dispendiosos que o trabalho humano.


Todavia, é claro que ninguém fica feliz sabendo que milhares de pessoas estão sendo mandadas embora, sobretudo essas mesmas pessoas, que no primeiro momento se veem perdidas e sem saber o que fazer. Um robô faz o que eu fazia: e agora? Tornei-me inútil? E todos os anos que eu me dediquei a esse trabalho, aprimorando essa habilidade que agora um robô faz melhor e quase de graça?


Eis aí um convite a fazer aquilo que de tempos em tempos a vida exige que nós façamos: mudar. O que seria de nós hoje se tivéssemos criado leis para proteger os cocheiros e criadores de cavalo no advento do automóvel? Os fabricantes de vela no da luz elétrica? As locadoras de filmes quando surgiram os sistemas de streaming? Os correios quando inventaram o e-mail? O que será do futuro se não quisermos o que ele tem para nos dar?


A saída, portanto, certamente não é lutar contra aquilo que é inevitável – e, em última análise, até benéfico –, mas promover no ser humano a ideia de autorresponsabilidade e melhoria contínua, pelo que ele aceitará as mudanças e a elas se adaptará com graça e inteligência. O que ele teria a temer então?


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[1] Contrate-me pelo e-mail candidomagnus@protonmail.com. [2] Henry Hazlitt, Economia Numa Única Lição, p. 60.


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